quarta-feira, 26 de março de 2014

segunda-feira, 17 de março de 2014

INSTABILIDADE AERODINÂMICA

 
Ao pilotarmos uma moto, a maioria das preocupações reside em ter controle da máquina e se inserir no meio em que opera de maneira eficiente e segura. Acabamos por negligenciar, ou pelo menos não notar com a devida atenção, os efeitos que o ar ao nosso redor provoca quando a moto obtém movimento e velocidade. Por isso, esse mês aborda o tema com foco na percepção do problema bem como nas soluções de pilotagem disponíveis, para gerar melhor conforto e segurança para o motociclista.
 
Identificando a instabilidade
 
De maneira bem simplista, a instabilidade aerodinâmica é causada primariamente pelo deslocamento de diferentes camadas de ar. O ar quente tende a subir enquanto o ar frio tende a descer em relação a terra. Essa movimentação de camadas acaba criando correntes que também se deslocam horizontalmente. Paralelamente, existe o fluxo de outros veículos que possuem massa maior do que a da nossa moto, portanto deslocando maiores camadas de ar, afetando os arredores e freqüentemente a nossa trajetória, devido a proximidade.
 
A instabilidade é notada pelo motociclista como "empurrões" dados pelo ar ao nosso corpo e a moto. São diferentes daquela pressão exercida para trás que é obtida pelo deslocamento à frente, que normalmente é constante em dada velocidade em ar estável. Quando há instabilidade - que pode ser classificada em leve, moderada e severa - ela geralmente pode ser identificada através de "empurrões" curtos mas enérgicos e é mais sentida quando acontece lateralmente. Nessa circunstância também é onde oferece maiores riscos à condução, enquanto os deslocamentos de ar que acontecem no eixo de condução da moto - pela frente ou por trás - normalmente oferecem menores riscos. Esses "empurrões" são chamados de rajadas, e não se engane, tem o poder de lhe derrubar da moto ou até junto com ela se forem severas e de longa duração. Todos somos afetados, mas o formato da moto bem como seu peso tem alguma influência quanto a forma e intensidade da ocorrência. Genericamente, quanto mais leve a moto, mais é afetada, assim como quanto maior em tamanho, também mais será afetada. Pode parecer uma incoerência, mas basta analisar sob a ótica da massa que possui - quanto menor o objeto e quanto maior for seu peso, menor será a resistência do ar e maior será sua estabilidade devido a inércia. Quanto maior for, maior será a resistência ao ar e se tiver pouco peso será mais fácil inibir ou restringir sua inércia.
 
Geografia
 
Identificar lugares com maior probabilidade de concentrar ar instável é importante para poder se precaver e tomar as medidas necessárias para neutralizar os efeitos de rajadas de vento.
 
Fique atento a lugares que canalizam o vento como vales entre montes ou montanhas, lugares com pouca ou nenhuma vegetação mais alta - como árvores - ou qualquer lugar que possa concentrar e espremer camadas de ar - como entradas e saídas de túneis.
 
Esses lugares favorecem a formação de instabilidades aerodinâmicas pois favorecem a movimentação do ar em certa direção. Outro ambiente que costuma gerar rajadas é a proximidade com qualquer tipo de acumulo de água, como rios, lagos ou mar. Nessas regiões a evaporação da água é o maior responsável por essas correntes aerodinâmicas.
 
Da mesma forma, é preciso também estar atento à temperatura, uma vez que o ar quente é mais instável que o ar frio, que geralmente é mais denso e se movimenta com maior dificuldade. Nas épocas quentes do ano é mais comum acontecerem esses fenômenos de rajadas do que em períodos frios, quando o ar é bem mais uniforme.
 
Por fim, fique atento em estradas abertas com concentração de veículos grandes se deslocando em velocidade. Por mais aerodinâmicos que sejam, empurram o ar a sua volta provocando deslocamentos que podem afetar sua estabilidade no momento que passa ou cruza com eles.
 
Dicas de pilotagem
 
Um dos erros mais comuns durante as instabilidades aerodinâmicas é enrijecer o corpo e membros oferecendo maior resistência. Mantenha sempre os braços flexionados, independente da categoria de sua moto - a postura garante maior amplitude de ação com esses membros além de permitir mudança postural do tronco equilibrando o conjunto.
 
Já na parte inferior, mantenha as pernas bem plantadas em torno da estrutura da moto, bem como os pés bem apoiados nas pedaleiras. A ação nos comandos deve ser sempre suave mas decidida. Busque segurar com delicadeza o guidão, usando o tronco para equilibrar o conjunto moto/piloto, sempre projetando seu peso em direção ao vento que lhe empurra. Como durante essas instabilidades as rajadas são curtas e em diferentes direções, a flexibilidade corporal se torna primordial na manutenção do equilíbrio. Uma maneira de diminuir o efeito das rajadas é oferecer uma menor área de resistência, o que pode ser obtido "carenando" na moto - a maioria das motos permite que o piloto desloque seu quadril levemente para trás e aproxime o peito e cabeça da estrutura da moto, como fazem os pilotos de competição na motovelocidade.
 
O aspecto negativo da postura é que se as rajadas forem de moderadas à severas, podem atingir o motociclista sem que tenha percebido a tendência por estar abrigado melhor contra o vento que incide em seu corpo. Por essa razão, é prudente não andar muito tempo em posição carenada, sentindo o comportamento que o ar tem em determinada região e instância. Cuidado ao avaliar os lugares, pois aqueles que costumeiramente não tem problemas aerodinâmicos em dado momento podem vir a ter em outro - a regra deve ser de sempre observar e sentir como o ar atua em seu corpo.
 
O segredo é tentar antecipar como será a intensidade de acordo com as circunstâncias. Como exemplo vai usar uma estrada de pista simples e o deslocamento provocado por um grande caminhão em ambas as direções - no mesmo sentido que o seu e no sentido oposto. Fica fácil perceber o deslocamento de ar promovido pelo caminhão que está na mesma direção que você será inferior por ambos estarem compartilhando a direção de movimento, o do caminhão com que irá cruzar em direção oposta. Esse tem sua velocidade somada à sua e, portanto receberá maior carga de pressão aerodinâmica nessa circunstância. Se for prudente e o espaço permitir, mantenha-se o mais distante possível para que o impacto aerodinâmico não seja comprometedor.
 
Nota-se também que a velocidade tem papel significativo no impacto que as instabilidades aerodinâmicas podem causar. Quanto maior a velocidade, maior a resistência aerodinâmica e mais suscetíveis estamos à esse fenômeno. Fica portanto patente que em situações de rajadas, a diminuição da velocidade sempre será um fator gerador de segurança. Se notar que as rajadas são intensas e severas, é prudente encontrar abrigo o mais rápido que puder. Lembre-se que não é só do vento que devemos nos abrigar, mas de tudo que eventualmente ele pode carregar e nos ferir. Em viagens sempre olhe os arredores e veja o comportamento das árvores, plantas de maneira geral e também das nuvens. Uma movimentação intensa geralmente denuncia a presença de ar se deslocando em velocidade.
 
Outra medida preventiva que pode se adotar é verificar os boletins meteorológicos para a região com qual interagirá, agora observando mais do que a simples informação sobre a chuva - a maioria deles oferece a direção e intensidade do vento, que já é suficiente para se preparar para eventualidades. Os mais completos oferecem também informações de previsão de rajadas e sua intensidade.
 
Um bom motociclista é aquele que atenta aos detalhes e sabe lidar com toda sorte de eventos de maneira apropriada. Espero que esse texto lhe ajude a perceber mais uma nuance da pilotagem motociclística.

quinta-feira, 6 de março de 2014

A COMPLEXIDADE DAS CONSTRUÇÕES HUMANAS DA MODERNIDADE E O TRANSITAR DE MOTOCICLETA (PARTE 02)


Outros aspectos
 
Num cenário de acidente tem de se levar em consideração além da inabilidade do piloto e/ou do motorista, a qualidade da via, o ângulo de visão do modelo de carro, posto que quanto maior mais “pontos cegos” serão encontrados. E existem os modelos de utilitários que possuem pouca ou nenhuma visualização através do espelho retrovisor interno. E ainda: todos os condutores de veículos que circulam nas vias estão sujeitos a cometerem erros, ultrapassando semáforos, andando acima da velocidade permitida, não respeitando limitadores eletrônicos ou faixas pintadas no chão.
 
Nenhum de nós que dirige, pilota, pode bater no peito e dizer que nunca cometeu uma infração de trânsito. Mesmo aquelas não computadas. Não é possível que um ser humano ao volante nunca ultrapassasse, mesmo que por distração, um sinal vermelho, nem nunca tenha andado acima da velocidade, não sejamos hipócritas a esse ponto.
 
E tem mais: qual de nós pode afirmar nunca ter se deparado com uma imperfeição ou resíduo na pista, que não estava ali antes, e para desviar forçou uma situação que não necessariamente provocou, mas poderia ter provocado um acidente? Quantas vezes seus freios falharam num dia de chuva em uma rua alagada? Quantos de nós, usuários de veículos de duas rodas, não nos demos conta de que o condutor do veiculo imediatamente a sua frente dormia ao volante ao ponto de sair da faixa?
 
Ainda podem ser considerados os aspectos da personalidade, que vou me eximir de discuti-los aqui por pura falta de conhecimento. Mas no momento podemos apenas concluir que há um conjunto de falhas que acontecem combinados ou não, mas que contribuem para a construção da complexidade dos elementos do trânsito.
 
As motocicletas
 
As motos no Brasil são vendidas como sendo a ultima maravilha da tecnologia. Só que não são. A concepção tecnológica dos motores de algumas delas datam de 1984. As de baixa cilindrada ainda possuem componentes obsoletos como carburadores, ineficientes e poluentes, e não podem ser encontradas versões com ABS. Das que possuem a versão com ABS, algumas não podem ser assim consideradas por que falta no sistema algum componente eletrônico de controle. Estudos revelam que 25% do combustível usado sequer chegam a queimar, e apenas 2% do que efetivamente queima, é usado para transportar o piloto no caso da motocicleta. Isso não nos é informado ao comprarmos uma motocicleta.
 
O ABS é só um dos itens que uma motocicleta deveria, obrigatoriamente, possuir para reduzir o espaço de frenagem. Existem projetos com sistema de contrapesos que impedem a motocicleta de tombar para os lados, uma terceira roda que proporciona melhor controle de tração, e sensores de interação entre os veículos e/ou entre os veículos e a via. Estamos longe de ter uma resposta definitiva, tudo o que se conhece ainda deve ser testado.
 
Repensando
 
Podemos discriminar o número e a função de cada sujeito no debate: o Estado que recolhe os impostos, mas não mantém as vias; o fabricante que vende objetos obsoletos desprovidos de tecnologias necessárias; o motorista e os mistérios da sociedade; a lei de Gerson, a falta de cortesia de ambas as partes e outros aspectos da alma; o automóvel e o campo de visão de seu condutor; o piloto, sua habilidade e seu comportamento na via.
 
O Estado deve ser questionado no primeiro momento quanto à aplicação efetiva dos impostos recolhidos, a manutenção das vias, quanto à insistência em usar tecnologia ultrapassada como os marcadores de faixa que também podem causar acidente, sinalização, manutenção, fiscalização e iluminação deficientes ou inexistentes. As montadoras devem ser questionadas quanto à qualidade de seus produtos, se o veículo aqui comercializado é realmente adequado às nossas estradas, ao clima, aos usuários e se as questões custo x benefício e pós-venda podem ser melhorados, aspectos que o Estado também deveria fiscalizar e facilitar. Os condutores por sua vez não devem se eximir de suas responsabilidades, dos cursos de aperfeiçoamento, do uso de equipamentos de proteção pessoal, por mais incômodos que causem.
 
Essas observações são apenas o início de uma discussão necessária. Tenho a impressão que ainda falta muito a ser elucidado quanto ao problema do transito. Precisamos de uma resposta complexa para um aspecto também complexo da sociedade e culpar uma das partes é uma resposta simplista. Precisamos que as partes envolvidas se manifestem e tomem para si as devidas responsabilidades.
 
 
Joel Gomes – acadêmico das ciências sociais, motociclista, colaborador e Vice Presidente do Brokk MC, com a colaboração Rafael Henrique e apoio nos textos de Fabio Magnani, para o blog Os Sem Fronteiras.